domingo, 26 de agosto de 2007

Conrado acordou cedo. Desceu as escadas e seguiu pelo corredor até alcançar a cozinha. Tomou o velho café com leite, que só era café com leite quando circulava pelo seu sistema digestivo. Caco, como era chamado, colocava o café e o leite em xícaras separadas. Degustava lentamente. Analisava as últimas correspondências como quando era criança. Colocava o papel contra a luz e após decifrá-lo, gracejava:
-Muito bem, doutor Sherlock!
Após o ritual diurno, Caco seguia para a sua máquina de escrever e se massacrava para terminar mais uma página do romance que já estava escrevendo há quatro meses. Ele não era escritor, nunca foi. O pior é que sabia disso. Mas não deu pra outra coisa, tentou ser a única coisa que gostava, mas mesmo assim, era penoso.
Às 9:20, o telefone tocou. Era Mércia, sua irmã, perguntando se precisava de algo. Mércia era a mais velha dos três irmão, sempre atenciosa, demonstrava carinho por Caco. Havia construído uma família, deu ao Caco dois sobrinhos que para ele, eram bem mais bonitos quando estavam distantes de sua casa.
-Está tudo bem, Caco?
- Sim, Mércia. Sempre está.
- Não precisa de nada?
- Sempre falta. No dia em que eu me der conta disso, vou precisar de algo. E nesse momento, eu não te diria.
A conversa correu como sempre. As mesmas perguntas para as mesmas respostas. Ele já havia até pensado em gravar as respostas e usa-las para a próxima ligação. Ela era única que ligava. Ao desligar, balbuciou:
- Que meiga. Só porque tem um homem que representa todos os dias o papel de bom pai e marido, acha que ganhou o mundo. Dedica alguns minutos da sua vida de aparências para o irmão do meio. Nem os pais dão atenção aos filhos do meio...
Quando estava relaxado em frente à máquina e feliz porque um parágrafo havia sido desenvolvido, a campainha tocou. Era Gustavo, irmão caçula, o que faltava naquele dia.
Foi logo entrando...
- Por que não atende aos meus telefonemas? (Ele nunca ligava). Papai falou muito sobre você ontem. Vim ver como está.
Ele não perdia a malícia. Ninguém falava sobre mim. Nem sabiam que era escritor.
- Como vê, tenho comida e tomo banho...
- Tem chá? Não tomei café ainda. Vim direto da empresa. Você sabe... muito trabalho.
Claro que ele tinha que mencionar a palavra trabalho.
- Sei. Deve estar cansado, trabalhando tanto assim, você não vai muito longe.
- Trabalho, Caco. Tenho dinheiro no fim do mês.
Andou pela cozinha enquanto o chá era preparado. Olhava tudo...
-Ainda escreve? Há quanto tempo não publica um livro?
- Estou terminando um.
- Faço questão de lê-lo. Darei um coquetel quando for publicado.
- E se o livro for bom, dirá que sou seu irmão. Que gentileza!
-Você precisa de uma faxineira! falou enquanto tomava o chá.
- E vou embelezar a casa pra quem? Você não é dos mais limpos...
Estou feliz por estar bem. -estendeu a mão.
Retribuí o gesto e acrescentei um sorriso afável.
Tentou encenar uma despedida melosa, mas fracassou. Já tínhamos idade para não cultivarmos mentiras.
Às 10:30 da manhã só restavam a máquina e os papéis...