sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Apresento a menina que não sabe o que quer.
A gente sempre sabe a hora de parar. E quando chega a hora... não consegue.
Maria... Era bem assim que andava.
Ele vindo, ela indo. E não é que não parava?
Duas listras: azul e amarelo...
Sem nenhum, nenhum verde.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007





Romance...

E assim que ele aponta cortando a linha do horizonte, eu começo a escrever. Ele chega bem na hora em que pego o papel, mas me faz esperar uns 10 min... Ele aponta, chega e se transforma em pensamento. Escrevi um?

domingo, 26 de agosto de 2007

Conrado acordou cedo. Desceu as escadas e seguiu pelo corredor até alcançar a cozinha. Tomou o velho café com leite, que só era café com leite quando circulava pelo seu sistema digestivo. Caco, como era chamado, colocava o café e o leite em xícaras separadas. Degustava lentamente. Analisava as últimas correspondências como quando era criança. Colocava o papel contra a luz e após decifrá-lo, gracejava:
-Muito bem, doutor Sherlock!
Após o ritual diurno, Caco seguia para a sua máquina de escrever e se massacrava para terminar mais uma página do romance que já estava escrevendo há quatro meses. Ele não era escritor, nunca foi. O pior é que sabia disso. Mas não deu pra outra coisa, tentou ser a única coisa que gostava, mas mesmo assim, era penoso.
Às 9:20, o telefone tocou. Era Mércia, sua irmã, perguntando se precisava de algo. Mércia era a mais velha dos três irmão, sempre atenciosa, demonstrava carinho por Caco. Havia construído uma família, deu ao Caco dois sobrinhos que para ele, eram bem mais bonitos quando estavam distantes de sua casa.
-Está tudo bem, Caco?
- Sim, Mércia. Sempre está.
- Não precisa de nada?
- Sempre falta. No dia em que eu me der conta disso, vou precisar de algo. E nesse momento, eu não te diria.
A conversa correu como sempre. As mesmas perguntas para as mesmas respostas. Ele já havia até pensado em gravar as respostas e usa-las para a próxima ligação. Ela era única que ligava. Ao desligar, balbuciou:
- Que meiga. Só porque tem um homem que representa todos os dias o papel de bom pai e marido, acha que ganhou o mundo. Dedica alguns minutos da sua vida de aparências para o irmão do meio. Nem os pais dão atenção aos filhos do meio...
Quando estava relaxado em frente à máquina e feliz porque um parágrafo havia sido desenvolvido, a campainha tocou. Era Gustavo, irmão caçula, o que faltava naquele dia.
Foi logo entrando...
- Por que não atende aos meus telefonemas? (Ele nunca ligava). Papai falou muito sobre você ontem. Vim ver como está.
Ele não perdia a malícia. Ninguém falava sobre mim. Nem sabiam que era escritor.
- Como vê, tenho comida e tomo banho...
- Tem chá? Não tomei café ainda. Vim direto da empresa. Você sabe... muito trabalho.
Claro que ele tinha que mencionar a palavra trabalho.
- Sei. Deve estar cansado, trabalhando tanto assim, você não vai muito longe.
- Trabalho, Caco. Tenho dinheiro no fim do mês.
Andou pela cozinha enquanto o chá era preparado. Olhava tudo...
-Ainda escreve? Há quanto tempo não publica um livro?
- Estou terminando um.
- Faço questão de lê-lo. Darei um coquetel quando for publicado.
- E se o livro for bom, dirá que sou seu irmão. Que gentileza!
-Você precisa de uma faxineira! falou enquanto tomava o chá.
- E vou embelezar a casa pra quem? Você não é dos mais limpos...
Estou feliz por estar bem. -estendeu a mão.
Retribuí o gesto e acrescentei um sorriso afável.
Tentou encenar uma despedida melosa, mas fracassou. Já tínhamos idade para não cultivarmos mentiras.
Às 10:30 da manhã só restavam a máquina e os papéis...

terça-feira, 31 de julho de 2007

Como manda o figurino

Fazer feijão e receber elogios.
-como está gostoso! –excelente!
Nada como uma troca de favores coberta de gentilezas...
Dia de ontem. Poderia escrever apenas, ontem. Agir com precisão.
Individualismo, mal-humor, pressa... Rechearam o meu dia.
(não se preocupe em compreender).
Gente boa, gente nova.
Gente nova, gente estranha.
E eu não dou um mês para que elas mostrem que é o contrário.
Ver com outros olhos...
Fazer com que os outros vejam com outros olhos, nunca me atrevi.
Desacreditando, metaforizando, camuflando. Pobre gerúndio! O infinitivo reina, imperativo.
- vou olhar o feijão.
Afastei tudo da cozinha... vai que a panela de pressão explode?
... sem gosto... não há tempero que resolva.
Feijão preto... simbolismo...metaforize....
Rindo, rindo e desconfiando de tudo. Desde ontem. O dia de ontem, o início de tudo. Tudo dando errado. O concreto dava flores e havia piche nas árvores. O ontem que teima em ser hoje. E tudo porque fiquei encarregada de fazer o feijão!
A continuação do ontem que não deixa o hoje chegar.
“Desligarei” o feijão e esperarei pelos elogios...

terça-feira, 3 de julho de 2007

Pega ladrão!

Leite com chocolate.
Mistura boa.
Não depende da marca.
Deixa sempre um gosto bom na boca.
Beberam o dela.
Ensaiou-se um bico...
e um choro que durou a noite inteira!

sábado, 23 de junho de 2007

Par

Caminho. Caminho.
E paro.
Espero por vinte minutos. Vários passam por mim.
Não, não olho. Resisto até o fim. A final, é apenas vinte minutos.
E... meio atrasado, lá vem ele. Faço sinal, ele me vê.
Entro, me sento e espero. Viajamos juntos.
Por um momento, sou dele e ele é meu. Somos a fusão dos meus pensamentos com a ociosidade mental dele. Dá certo. É uma relação mecânica. Temperada à base de chatice e gasolina. Passam-se quinze minutos. Tenho que partir. Crio coragem. Peço pra descer. Puxo como se cortasse o laço que existe entre nós. Rompimento. Finalmente. Saio e vejo partir, o meu ônibus azul.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Exercício diário da felicidade

“Bem-me-quer,
malmequer”.
As flores já acabaram
deves sair daí
E ocupar outro campo.

“Bem-me-quer,
malmequer”.
Por que fazes assim?
Usas sempre as mesmas flores
Já decoraste o resultado.

“Bem-me-quer,
malmequer”.
Brincadeira de criança
Cheiro. Cheirinho.
Paixão por tulipas

“Bem-me-quer,
malmequer”.
Maroca tira pétala após pétala
“uma, duas, três”...
E não pára.




...isso foi vivido hoje, por três "crianças".

domingo, 17 de junho de 2007

Silhueta

Chegou, como de costume, às 2:13 da tarde. Sentou-se na mesa de sempre e observou pela milésima vez o lugar. A primeira coisa que prendeu o seu olhar, foi à mesma que o vigiava nos últimos 3 dias. Sentiu-se vivo. Sentiu algo. Piscava com freqüência os olhos, afastando as dúvidas. Pés e mãos suadas, demência. Palavras que iam e vinham sem saírem da boca. Balançava as pernas ao mesmo tempo em que pedia um fósforo à garçonete para acender um cigarro. A figura estava na mesa do canto, um pouco ao lado. E ele, fazia o movimento descompassado com as pernas e afirmava a si mesmo que já havia esquecido aquele rosto cético, de sobrancelhas ameaçadoras e olhos pós-marejados. Admirou o teto da cafeteria e ao retornar o olhar para a mesa do canto, nada viu. Pagou a bebida, levantou-se e saiu.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Não é pra ler

Acordei, acho que era dia... reguei as flores, espantei as borboletas e senti o vento duelando com as minhas roupas. Procurei o Sol... Ouvi a música, mas não estava claro. Amarrei o cabelo voltei pelo corredor, andava no escuro. Sentei. Preferi não acender a luz algo cheirava os meus pés. Fiz um cafuné em Baltazar, tornei a tocar meus cabelos para desamarrá-los, mas não os senti. Fui deitar-me e... acho que agora é hora de abrir os olhos e ignorar esses pensamentos de bosta.

terça-feira, 22 de maio de 2007

Uma das pétalas

Confidências.
Abro mão de todas para aqui lhes contar:
O incondicional bateu a minha porta.
Veio em forma de menina. Rosto fino com ouvidos prontos para me escutar.
Apresentou-se como Camila. Ainda tinha Melo e Oliveira.
Flor que me completava e às vezes assustava por parecer eu mesma.
Alegria.
Também ela bateu a minha porta .
Veio em forma de moça. Ela dançava divinamente. Rodopios pelas ruas...
Estranhei.
Ela tinha o mesmo nome, o mesmo rosto e os mesmos ouvidos.
Amizade proliferou-se. E com ela, a saudade...
Hoje, tu completas anos.
E eu,
Tiro letras de uma caixinha, incansavelmente, e amarro-as da maneira
mais singela e doce tentando te homenagear.


¬¬
Tá muito cintilante, né? Muito formal... Na prática não é assim! Tu é uma das poucas pessoas que tem o azar (ou privilégio) de me ouvir falar e saber o que eu penso. A gente pode passar horas papeando. Pode até desenvolver uma conversa através de sorrisos ou através do silêncio. Porque eu não consigo esconder nada de tu. Ou simplesmente me esconder, como eu costumo fazer com as outras pessoas. Chegasse na minha vida um pouco tarde, mas na hora certa. E pensar que tu tinha medo de se aproximar de mim (eu tinha outra cabeça?? E achava que tu falava muita merda?) Acabasse vendo que eu sou uma boboca :D Isso só aconteceu porque tu fosse persistente e me conhecesse até o fim.
A gente já praticou aventuras de última hora. Almoços temperados com conversas que só terminavam quando não havia mais ninguém no restaurante. Tu me ouvia cantar Roberto Carlos e Engenheiros o dia todo. Consegue ser a única pessoa que me chama de bibila.
Pois é...
Amizade verdadeira. Eu sou difícil de ser conquistada, mas eu não largo fácil não, viu?
A única coisa que eu quero aqui, amiga, é escancarar o meu respeito por tu. Te agradecer pelo que já fizesse ou mesmo pensasse em fazer por mim. De saber de tudo o que eu passei e me dar a maior força que eu poderia receber.
Escolhi a tarde do dia 21 pra colocar pra fora tudo o que eu sinto, sem o meu perfeccionismo e te dar o meu presente.
Te amo, Milaxinhoca!!
Feliz Parabéns! :D


um abraço com cheiro de jasmim,
Kamilla.

sábado, 19 de maio de 2007

Relatando...

Era domingo.
Mamãe estava nervosa, atarefada entre cuidar da casa e preparar o almoço.
Eu e meu irmão estávamos no quarto, ele assistia TV enquanto eu fingia que estava vendo.
Passei a observar as atitudes de mamãe. Tirei as minhas conclusões e confesso que não consegui ser tão impessoal como gostaria, queria analisá-la friamente, mas fracassei.
Passado esse momento de frustração, voltei a fingir que mirava a televisão.
Na metade do dia, o almoço estava preparado e a família encontrava-se à mesa.
Ao terminar o almoço, mamãe ainda estava nervosa e decidida a dar início a uma discussão. Ela falava:
- Por qual motivo vocês não tomaram o suco? Eu fico parecendo uma louca na cozinha, tento preparar um almoço decente e vocês nem reconhecem...
Meu irmão respondeu:
- Depois eu tomo, mãe!
E eu simplesmente respondi:
- Eu não tomei porque eu não quis, não sou obrigada a fazer o que eu não quero!
Pronto! Era o que faltava para lançar uma "bomba" naquela casa e tornar o dia mais tenso do que ele já estava. Ouvi tanta coisa que não consigo relatar (acho que não quero).
No dia seguinte, eu tentaria mudar as últimas falas da cena. Mamãe preparou o almoço e arrumou a casa. Estávamos comendo e antes de me retirar da mesa, tentei fazer descer alguns goles do mesmo suco de domingo. Fui até a cozinha lavei a minha louça e ao me afastar da sala, indo para o meu quarto, ouvi mamãe gritar:
- "A outra" é tão preguiçosa que tomou o suco sem gelo.


Nem sempre é válido tentar agradar as pessoas.

terça-feira, 15 de maio de 2007

Ensaiando uma valsinha

Faço descobertas diárias.
Dizia-me:
-Está vendo este piano aqui? Cada dupla ou tripla se inicia com um “dó”.
E as pretas são sustenidos. Daí você faz: dó, sustenido, ré, sustenido, mi/fá (são semitons, não há sustenido). E quando ela o tocava? Eu fechava os olhos. E me dava vontade de saber não só a escala, mas também a harmonia, o compasso...
Eu era detetive, detetive da alma. Sempre ia além do que via... mas agora...Mudei de profissão. Sou a artesã da alegria e o meu cinzel vai, passo a passo, esculpindo a minha felicidade.
-Sente-se corretamente. ]
Aconselhavam-me. Se eu parasse quieta numa cadeira...
Estão ouvindo?
Eles chegaram.
Dirão-me que não posso ser a rainha. Então, serei o bobo da corte.
O palhaço que desfila com os pés no chão, enquanto declama, inebriado, os versos de Neruda.





Devo desejar uma boa noite?
é clássico
Boa noite.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Fissura

Mãos.
seleciona.
anéis.veias.beijos de galanteadores.
sentir.tato.
sujas.
lavo as minhas.mania.todo o tempo.
alvas.belas.suaves.
falam.dom.
dedos.juntas.unhas.
lapidar.formosas.
Mãos.

sábado, 12 de maio de 2007

Presença constante do verbo "estar"

Alguém segura dois fios do meu cabelo por favor? há coisas que me apoquentam bastante...
Tava esquecida de como é a brancura. Meu sonho é ser a Globeleza. Me solta! Estou sentindo gosto amargo de felicidade. Não gosto de muito nhem nhem nehm! (ou gosto?). Há formas mais interessantes de demonstrar afeto! As pessoas deveriam saber que não teria graça nenhuma se fosse todo mundo igual, mas elas teimam em se relacionar apenas com seus semelhantes! Pareci uma bióloga agora? Não. Não. Eu estudarei a raça humana. Curiosidade. Medo. As crianças são mais gente do que os adultos. Chato crescer. E eu descobri que eu tenho 1.65cm e que eu sou fã da Nina Simone. Está chegando o São João. Completei 18 anos e eu ainda não sei se eu gosto de fazer aniversário, mas estou descobrindo como é ser ariana. Ah! foi no dia 05 de abril mesmo. Você acordou, nesse dia, bem diferente? ai ai ai (eu adoro essa expressão). Sou fã de Mutantes. Gosto de bandas antigas. Gosto de bandas. Sejam de música ou de frutas. Estou com sono. Acho que vou parar de escrever. Não! Eu queria ser redatora. Estou ficando frustrada e me arretando com as janelinhas do msn que estão aparecendo porque tem gente on-line. No início desse texto eu estava ouvindo A MAÇÃ- Raul Seixas. Depois já ouvi O POUCO QUE SOBROU- Los hermanos, STARWAY TO HEAVEN- Led zeppelin e agora está tocando SUNRISE- Norah Jones. Está ficando grande demais isso aqui! Vou parar. Mais você não manda! Eu não acho que está longo, eu nem falo muito... Agora eu estou me importando com o que as pessoas vão pensar. Perguntei-me o dia inteiro por que eu escrevo. Sinceramente? Eu não sei. Tenho saudade das minhas amigas. Aqui, de longe, eu cuido delas. Meu pai está melhor. Então, eu também estou. Assisto futebol e f1 com ele. Eu sou alvirrubra. Miles Davis é jazz! Gosto de escutá-lo. Volto a dizer que estou com sono... Meu alter-ego. Agora eu vou parar, mas não vou voltar porque quando eu sentar nesta cadeira de novo e tentar escrever eu serei uma pobre (ou renovada) moça de idéias.

O peixe

O peixe que eu via no aquário
era o peixe que me via no ar,
era o peixe que me observava.

O peixe que me observava
era um peixe verde-mar,
era o peixe que a vizinha cuidava.

O peixe que a vizinha cuidava
era o peixe com o qual eu conversava,
era o peixe que borbulhava,
que não estava a fim de papo,
que não me considerava.

O peixe que não estava a fim de papo
e que não me considerava
era o peixe que não dormia,
era o peixe que me conhecia.

E eu...
Nem era peixe.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Convite marítimo

Não te dou
Não te dou
nem um pouquinho desse mar.

Água salgada em que te banhavas,
agora é doce,
pois teus leves sonhos
foram todos mergulhar.

Ó mar, devolve o meu encanto.
Não afogas os meus sonhos,
não me deixas afogar.
Meus pés estão molhados
insistes em me chamar.
Estou na areia a divagar
meu pranto é tanto que te fará transbordar.
Mas a resposta me vem acalentar
no caminho há pedras
(Drummond ha de concordar!)
mas elas são como as ondas desse mar...

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Crônica de um quarto fechado

Abre os olhos. Sorri levemente... havia cochilado.
O ambiente está exatamente igual. Rachaduras, pouca mobília, sem ventilação e sem cortinas.
Ai, como tinha vontade de ter cortinas!
Deveria abri-las todas as manhãs, deixar o vento entrar e espreguiçar-se como via nos filmes.
Olhou para o criado-mudo. - Bem que nessas horas ele deveria falar!- No quarto, entre pilhas, cds e livros, estavam as gavetas. As gavetas incrustadas na parede. Nunca haviam sido abertas.
Mal sabia ele que poderia ser o dono de belas (só um pouco empoeiradas) cortinas...

segunda-feira, 7 de maio de 2007

O sentido do hífen

Eu vou com o bonde
Com o bonde eu vou.
Quero copo de leite
-mas eu não gosto de leite!
Eu gosto de flor.
Então... dá-me,
Dá-me um copo-de-leite,
mas dá-me com amor.

domingo, 6 de maio de 2007

Juca

Bolha de sabão.
Assopra. Assopra.
Falhou.
Tenta de novo.
Será que é o sabão?
Muda a marca.
Prepara com ansiosidade.
Pronto.
Assopra. Assopra.
E a tarde muda de feição.
Dezenas de olhinhos mirando
a bolha de sabão.

Visita num sábado chuvoso, tedioso e proveitoso.

Chove.
O vento me chama lá fora. Encosto o rosto no vidro e sinto a frescura violenta. Ouço. Está uivando, falando comigo. Abri a janela. Fiz o convite:
- Quer entrar?
Ele nem respondeu. Me insultou dizendo que um homem feito ele deveria entrar pela porta. Foi logo desligando a vitrola:
-Como é que você escuta estas porcarias?
"Olha quem fala. Ele produzia um barulho horrível na minha janela e reclamava da maneira que eu havia arrumado pra não ouví-lo".
Eu era só. As visitas que ele me fazia só serviam para me lembrar que eu era só. Nada mais.
Eu fui uma escritora famosa. Tive tudo que uma pessoa poderia desejar. Era feliz, pensava que era feliz. Mas não. A vida que escolhi me fez abrir mão da minha família. Recebi vários prêmios, era reconhecida. Melhorei de vida, mas não como pessoa. Meus livros sempre tinham o vento como personagem principal. Aí comaçaram as crises. Minhas publicações não eram mais aceitas. Perdi contratos, perdi prestígio. Percebi que tudo havia sido um momento e que eu não havia construído nada. Isolei-me. Trancafiei-me. Crises atrás de crises...
Passado o momento narrativo e de apresentações, voltemos a cena:
Na minha sala, com um único personagem que insistia em dar pitacos na minha vida...
Tarde demais. Ele sempre faz isso. Quando percebe que há mais alguém na sala além de nós, ele some e demora pra voltar. Fica magoado. Não quer que eu revele seus segredos...
E você? Vai voltar? Quer insistir? Fornar um trio? Não será fácil!
Eu estou disposta. Simpatizei com você. Ora, caro leitor , sei que és teimoso... Deves até, durante a minha introspecção, pensar que estava sendo insultado e ter me xingado. Heim? Volte aqui, gosto de visitas... até o meu amigo-personagem expulsá-las!
Sou só. Nada mais.